domingo, 29 de março de 2009

O cachorro preto

Passei por ali mais uma vez, distraída. A esquina para qual olhei hoje era a mesma esquina pela qual o meu ônibus passa pelo menos duas vezes ao dia. Mas nesse dia não pude ignorar. Não a esquina, mas o cachorro preto, vira-lata, deitado com ar nobre e com as patas anteriores meticulosamente entrelaçadas. Ri sozinha.

Pensei em tirar uma foto. Se algum animal precisava de uma foto, definitivamente, era este cachorro de face sóbria. Mas deixei a idéia pra lá, assim como faço com o fato de que preciso marcar uma hora no dentista. Programava-me para fazer, mas só lembrava quando o via novamente. Sempre na mesma posição.

Um dia, mais distraída com os meus pensamentos do que de costume, cheguei aproximadamente no mesmo ponto e, dessa vez, o ônibus parou para que alguém pudesse descer. Olhei pela janela e o vi ali. Em cima do batente da casa da esquina. Porém, hoje, não estava tão ajeitadinho. Me olhou e, para meu assombro, seus olhos eram azuis. Só que um azul apagado, difuso e desbotado e, ao mesmo tempo, profundo.

“Ele é cego”, pensei por alguns instantes antes de mergulhar em novos pensamentos. Até que o senhor atrás de mim externou para a companheira o meu pensamento. “Ele está cego, coitado”, disse enquanto indicava o cachorro com os olhos. Olhei-o novamente. Lá estava ele, com a cabeça ainda erguida. Senti que ele me via e observei enquanto ele movia a sua cabeça lentamente em direção ao meu ônibus, que agora já estava em movimento. Percebi o seu olhar por mais alguns segundos e voltei meu olhar para dentro do ônibus.

Ri. Ele é cego. Ironizou uma voz dentro de mim. E eu não pude deixar de me sentir feliz.

4 comentários:

Carolina disse...

Doidera esse texto! (no bom sentido). Mermã, tu conseguiu ficar mais distraida que o de cosstume? Como? Explicaficaadica*

Amora disse...

Como tu rir de um cachorro-preto-e-cego? Aposto como ele precisava era do teu carinho. Várias pessoas acham graça dele e várias pessoas o veem como 'coitadinho'. Na próxima vez, dê um abraço nele, talvez os dias de vida dele aumentem aqui na Terra.

Camila Chaves disse...

seane, tu é doidinha! parece chocante tu ter rido do fato de o bichinho ser cego, mas eu acho que entendi (mesmo estando eu cá com o coração partido).

o cachorro lá, de olhos azuis, todo bonito, todo posudo, e cego. e tu crente crente que ele te olhava e que por pouco não pedia que dele fosse tirada uma fotografia.

aaah, seane zé mané!

Anônimo disse...

Acho que a voz ironica dentro de voce surgiu do fato de você, ao contrario das outras pessoas, não ter sentido pena dele. Você o percebeu, sem dó, mas com nobreza. Você o percebeu e ele, de alguma forma percebeu você, acho que daí surgiu o sentimento de felicidade.

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