quarta-feira, 3 de julho de 2013

Uma explicação didática sobre o amor


Marcela e Maurício caminhavam silenciosamente pela calçada. Chegaram ao bar e escolheram uma mesa. Marcela preferia sentar no local mais esquecido, mas Maurício queria fumar. Escolheram uma das mesas da calçada. O vento não estava gelado e a temperatura estava amena, porém Marcela não pareceu perceber e permaneceu de casaco. 

Maurício acendeu um cigarro. As outras mesas do bar ainda estavam vazias.

– Então, o que tu tava querendo me contar? – ele perguntou liberando a sua primeira leva de fumaça.
– Bom, é um pouco complicado... Mas vou tentar explicar com uma analogia.

Ele sorriu, ela respirou fundo.

– Vamos supor que nós vivemos em alto mar. Estamos em uma região tão profunda em que não é possível tocar o pé na areia, apenas estamos na água e acreditamos que existe o fundo do mar, a areia.
– Certo.
– A água é a realidade. A areia é o real.
– Não sei se entendi. Por que tu tá diferenciando a realidade do real?
– Porque é a água que dá forma ao mar, que aqui é o mundo. – Como Maurício continuava calado, ela tentou melhorar. – Estou supondo que a realidade está acima do real. Sempre estamos em contato com a realidade, mas nunca em contato com o real. Apenas acreditamos que a realidade o reflete, seja por meio de crenças ou de experiências empíricas. Mas não sabemos até que ponto a água é uma forma honesta da areia. E eu, pessoalmente, acredito que apenas em alguns momentos, a realidade deixa entrever os pontos em que o real se impõe com mais força, no caso da morte, por exemplo.
– Então nunca acessamos o real, por isso a analogia com o alto mar, em que estamos sempre em contato apenas com água...
– Exato! Aqui eu chamei a realidade de água. Mas tem muita gente que defende que a realidade são os discursos que nos ajudam a compreender o real.
– Acho que entendi. Onde tu quer chegar?
– Em mim. Eu, Marcela, sou uma mulher, branca, classe média, entre os vinte anos, que existe.
– Ok. Concordo que tu existe – ele se divertia.
– Isso quer dizer que eu faço parte da realidade e... do real. Todas as características que eu te dei fazem parte da realidade discursiva. Já a minha existência faz parte do real.

A cerveja deles chegou e Maurício encheu os copos.

– Hmm... Prossiga.
– Daí eu chego em ti.

Ele levantou a sobrancelha direita.

– Tu também existe e está nesse mar comigo. Tu também ocupa o real e a realidade. Antes, eu acreditava que os nossos afetos estavam diluídos na água, que só poderiam ser sentidos quando fossem compreendidos por um discurso que os classificasse e diferenciasse. Mas, você, Maurício, você existe na areia e na água. E você me puxou para baixo. Você me fez tocar a areia. Você quebrou uma dimensão, furou a rede.
– Como eu fiz isso?
– Existindo!
– Ainda não entendi.
– Eu te amo. – Ela disse e bebeu o primeiro gole de cerveja.



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