terça-feira, 14 de julho de 2015

Alguém não está tão interessado assim

- E o que aconteceu nesses dois últimos encontros?
- Bom, foram legais. A primeira quis continuar e eu não. Aí foi bem chato até. Porque ela ficou me mandando mensagem e tal...
- E a segunda?
- A segunda foi o contrário - ele disse desviando o olhar para a cerveja.

Nós dois rimos do constrangimento dele, antes que os pensamentos viessem inevitavelmente nos incomodar. E a gente? Quem iria querer continuar e quem iria sumir? Felizmente, o momento durou pouco. Ainda tínhamos questões mais sérias para nos preocuparmos. Ainda faltava acontecer. Faltava ser bom. Faltava alguém ter um interesse maior do que aquele que tinha nos levado àquele encontro. Só então começaríamos a disputar nossos papéis.

***
- Sempre acaba mal, Seane.
- Por quê?
- Porque as mulheres, não sei o que elas têm, mas é só dizer pra elas que não 'tá procurando relacionamento ou que se rolar algo provavelmente não vai se tornar um namoro, que elas ficam loucas! Parece que elas querem a qualquer custo te conquistar. Deve parecer um desafio pra elas.
- Ah, não, não dá pra simplificar assim. - Eu disse. Mas mentalmente dizia "ei, olha eu aqui, seu babaca! Claro que não tô com você porque você parece um desafio, é porque eu me divirto saindo com você".
- Pior que dá - ele continuou. - Em algum momento, elas sempre ficam loucas. Por mais que elas digam que não esperam nada além daquilo, que é só uma saída mesmo, elas 'tão esperando.

Uma pausa.

- Eu não espero mais que isso, mocinho - eu me incomodava com a sensação de que toda a conversa era uma indireta.
- Não sei... Uma hora isso tem que acabar. Sabe, não quero te machucar... - Era oficial: ele me colocava na posição da pessoa que estava interessada.
- Não vai me machucar - respondi em tom tranquilizador, começando a achar graça da aparente certeza dele de que eu estava apaixonada.

Ele me machucou. E, por algum tempo, cheguei a abaixar a cabeça e concordar que ele estava certo. Eu tinha me deixado levar por um desafio. Não o desafio de domá-lo. Mas a birra de querer provar a todo custo que eu não queria conquistá-lo. Que eu não queria ultrapassar a barreira que ele sempre colocou nos nossos contatos. Que, na verdade, a minha vontade era de destruir aquele muro a chutes, socos e pontapés. Era de gritar indignada contra aquele tratamento. Para ele parar de me tratar como se eu precisasse saber que a gente não ia namorar. Eu sabia. Para ele parar de ignorar que nunca houve um momento em que eu sugeri que sonhava planos com ele. Eu não sonhava.

Ele me machucou ao me dar o papel da pessoa que tinha o interesse não correspondido. Quando meu único interesse era provar que não existia o descompasso.

***

Parece que todos os relacionamentos que não "dão certo" podem ser analisados a luz desse par opositivo: elx estava interessado e eu não - eu estava interessadx e elx não. 

Quando o flagro sorrindo pra si mesmo ao me abraçar, percebo que imediatamente ele se amedronta e se retrai ao meu olhar. E quando sinto a tensão dele ao amparar a mão que irrefletidamente ofereço ao andar na rua, sou eu quem se sente aflita e muda de gesto.

Nos revezamos na disputa de quem demonstra menos interesse porque está enraizada essa sensação de que os relacionamentos são como a brincadeira da bola girando na roda. E de que quando a canção acabar, a bola vai ficar parada na mão de um dos dois.

Mas não é simplificar demais? Não é atribuir para nós toda a complexidade e relativização ("não tô apaixonadx, só tava precisando de alguém pra conversar e daí fui atrás delx") e atribuir ao outro o estereótipo clichê ("agora elx quer falar todo dia")?

Quando percebo que os constrangimentos desse medo do "dar errado" e do não querer sair "perdendo" me ultrapassam e estão, também, nos gestos das pessoas que se aproximam de mim, volto a me debruçar no meu passado para entender quando foi que aceitei ser assim. E o que poderia levar os outros a repetirem o mesmo padrão.

Talvez precisemos rir da nossa cara, dos nossos constrangimentos desnecessários. E nos lembrar que quando saímos de casa nossa única expectativa era ter uma noite boa. Se foi boa, isso não significa que deu certo? Paremos nesse momento em que os dois seguram a bola e é gostoso seduzir e se interessar. Quando acabar, a gente coloca as coisas no lugar e guarda a bola no armário. Combinado?

2 comentários:

Antonio disse...

Belo texto. Ilustra bem o pré-conceito nas relações humanas cotidianas.

Ana Luísa disse...

Ei Seane! Primeira vez que entro no teu blog. Comecei pelo texto do currículo sincero e adorei, e agora li esse texto e curti também - me diverti com essa análise dos joguinhos de início de relacionamento porque, gente, é muito assim. Parece que a gente sempre quer provar alguma coisa, seja ela qual for..
Beijos!

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