segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Bienvenue à l' enfer

Bienvenue à l' enfer. Sempre que o chão treme, eu relembro a voz sinistramente animada ao meu ouvido. Ele fala em francês. O inferno voltou. Ou eu voltei pra ele?

Não importa. O que importa é o som. O inferno falando ao meu ouvido em francês. É educado. Bem-vinda. Eu sorrio da ironia. Tenho um pouco de medo de viver tudo isso novamente, me pergunto se é realmente necessário, não importa. Não sou eu quem decide.

Continuo na fila de entrada para o festival de inferno. Só mais uma seguindo a trilha humana. Ganho minha pulseirinha de acesso. (Apesar de saber que o difícil daqui é achar a saída). Mulher é revistada mais rápido. Opa! Deixo alguns para traz. Mas essa não é realmente uma competição. Quem entra primeiro não sai mais rápido. O caminho é longo. Ando devagar, porque prefiro sentir as horas passarem andando do que parada. Não escurece nunca enquanto ainda tenho forças.

Não encontro ninguém que fale a minha língua. Tento falar a língua deles? Vou andando desconfiada tentando absorver trechos das conversas em francês. Não espero mais que alguém me passe as instruções para voltar. Só quero me distrair. Estou no inferno. Esse lugar, eu já conheço. Não tenho dúvidas do que vem pela frente. A escuridão. O frio. O medo. A ansiedade. A raiva de mim mesma. Devia ter anotado. Não podia ter perdido essa informação. Podia ter feito melhor, podia ter feito certo. Como cheguei aqui tão despreparada? Passo do Chateau d'Eau. Dos deux rond-point. Ou é rond-coin? A sinalização do inferno é terrível. Só o que vejo na pista são instruções para ir mais devagar. Ralentir, como eles escrevem.

Finalmente me deparo com o castelo. Salut, cher ami! O castelo é medieval, também fala francês. Ele não move uma pedra para me cumprimentar. O clima fica mais frio com a indiferença. Dou um passo vacilante em sua direção. Não gosto dele. Não gosto daqui. E, depois que ultrapassar as pedras medievais, sei que a paisagem não melhora. Ainda é noite, frio e triste. Mas talvez eu me reencontre comigo e volte a acreditar no que não parece mais real.

Bem-vinda ao inferno. Digo para mim mesma em português. É uma despedida. De todas as limitações que aprendo a deixar aqui.


Ilustração: Jenny Yu



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