segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Hipótese 2

Fernanda olha para o horizonte contornado de prédios. Estamos sentadas há alguns minutos esperando que o descanso chegue instantaneamente apenas por termos decidido passar algum tempo contemplando a paisagem. Nesses últimos tempos, toda vez que me vejo em um lugar que possua pelo menos os requisitos básicos para parecer contemplativo sinto essa necessidade de imediatamente relaxar e me sentir melhor. Nem sempre funciona, nem sempre faz qualquer sentido.

– Eu acho que o problema desses caras com quem você sai é que eles não tão preparados para uma mina como você – ela solta.
Fico satisfeita e aflita com o comentário.
– Não é isso...
– É sim, pensa só: você é inteligente, você é engraçada e você é muito de boa, sabe? Parece ser independente demais. Mais independente do que os caras querem.

Lembro-me do nosso primeiro encontro. A gente se pegando na parede da balada quando você, de repente, solta que valeu a pena ter passado todo aquele tempo falando comigo no WhatsApp. Eu rio. Você nem falou tanto assim, vai. Penso nos amigos com quem passo 24h conversando. Você me olha assustado. Nossa, como você é carente!

– Talvez eu não pareça tão independente nos relacionamentos amorosos. Você tem uma imagem muito boa de mim, Fê – fico aflita de decepcioná-la.
Olho para o mesmo pedaço de horizonte que ela.
– Sabe o que eu acho? Não é que eu seja boa – vamos admitir que isso é um bocado pretensioso – é que eu não sou nada ainda.
– Como assim? – Fernanda me olha alarmada.
– Ah, sabe, talvez eu não seja mesmo o que um cara bem convencional espera. Isso de ser vaidosa, de ser bonitona, de ser frágil e tudo. Mas a gente convive com caras que vão além de disso, num é? E, para esses caras, acho que, às vezes, eu não sou o suficiente, sabe? – Fernanda fazia caretas em protesto – é que… sabe, sou bem convencional e tudo. Não sou aquela mulher livre. Acho que o modelo de mulher que esses homens procuram é a artista de teatro que anda sem sutiã. Puxa, até eu iria querer essa mulher!
Fernanda ri da minha cara.

A segunda hipótese dessa história é que eu assustei você. Mas quem me diz isso são os amigos que acham que sou boa demais. A verdade é que eu tenho medo, muito medo, de achar que sou boa para alguém. E eu só comecei a falar sobre você porque eu queria revisar mais uma vez essa história, passar um pente fino, só para ter certeza de que não foram meus erros que afastaram você.

– Eu fiquei assustado e me afastei, confesso – você diz na saída da padaria a caminho da sua casa – Eu sou assim.

Olho para a faixa de pedestre à minha frente, então, só imagino o teu dar de ombros após a última frase. Você diz isso no meio de uma conversa maluca em que cada um diz uma frase que não explica nada.

– Eu não vou falar que estava apaixonada, mas você me interessou como ninguém tinha me interessado.
– Você exigia demais de mim...
– Eu só queria entender se você tava zangado comigo...
– Eu tava com muito trabalho.
– Nunca entendi porque você me deu um bolo.
– Eu te dei um bolo?
– Sim! Aquele dia que você marcou comigo, sumiu e eu fiquei chateada.
– Ah, rolou isso. Mas você queria sair demais... – Rolou isso? Sinto que minha cabeça vai dar um nó.
– Eu pensei que tivesse feito algo de errado...
– Achei que você me queria fora da tua vida depois de ter me excluído de tudo.
– Eu disse que não queria mais me sentir rejeitada.

– Que bom que você veio hoje.

Entramos no elevador sem trocar uma palavra e continuamos em silêncio até chegar ao meio do teu apartamento. Coloco a bolsa na cadeira mais próxima. Você me encara. Damos o primeiro beijo da noite. Um beijo sem sentido como tudo que envolve essa relação. Minha boca e a tua parecem lutar pela reconciliação, a sede é seca, a saliva parece errada. Tá tudo errado. Falta alguma coisa.


Peço para você colocar uma música. Você me pergunta o que eu gostaria de ouvir apenas para se recusar. Escolhe sua própria música, eu reclamo da escolha. Não sei porque não podia ser Nicki Minaj. Você vem dançando para mim. Me beija e sorri. Deixa eu ver se essa bunda tá dura, sussurra no meu ouvido. Não falta nada. Nessa noite.


Jenny Yu

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